quinta-feira, 20 de outubro de 2011

O DIREITO DE PARTICIPAÇÃO EFETIVA DAS MINORIAS PARLAMENTARES NO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO FISCALIZATÓRIA INERENTE AO PODER LEGISLATIVO


Em 1748, Montesquieu organizou a divisão entre os órgãos que exercem parcela da soberania do Estado, tratando da chamada divisão orgânica. Afirmou que o Estado se manifesta por meio do Legislativo, Executivo e Judiciário e que essa divisão, naquele determinado momento histórico, destinava-se a acabar com o absolutismo francês.

Atendo-se ao Poder Legislativo podemos dizer que este possui duas funções precípuas: a legiferante, que se manifesta através da edição de atos normativos aptos a inovar a ordem jurídica (produção de leis, em sentido amplo), e a atividade fiscalizatória, seja econômico-financeira (através dos Tribunais de Conta, por exemplo - arts. 70 e seguintes) ou político-administrativa (fundamento das comissões parlamentares de inquérito). 

A função fiscalizatória é a atividade primeira  (no sentido de tradicional) do Poder Legislativo (como ocorreu com o parlamento europeu, por exemplo). Somente com o fim do absolutismo e o surgimento do Estado de Direito é que a função legiferante ganhou espaço, tendo em vista que era a lei que impunha limites não só aos governados, mas também aos governantes.

Uma das formas de controle é a investigação pelas comissões parlamentares de inquérito. O Professor José Afonso da Silva define as CPIs como sendo "organismos constituídos em cada Câmara, composto de númeroo geralmente restrito de mebros, encarregados de estudar e examinar as proposições legislativas e apresentar pareceres". 

A Constituição de 1988, por sua vez, estabelece no art. 58 que o Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação.

Mais a frente, no §3º, define que "as comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores".

Percebe-se que três são os requisitos para a instauração da CPI: prazo certo, fato determinado, e requerimento de 1/3 dos membros da casa legislativa: senadores, em 27 membros, e deputados, "curiosamente", em 171 (essa piadinha nunca perde a graça....). 

Após essa breve introdução, questiona-se: poderia  o regimento interno de uma Assembleia Legislativa ou Câmara Municipal prever requisitos mais rígidos para a instauração da CPI? Por exemplo, prever um quórum qualificado de 2/3 para a instauração da comissão, sob o fundamento de afastar investigações pretenciosas?

Devemos lembrar que existe um sistema político-brasileiro que tutela as minorias parlamentares, garantindo a elas prerrogativas para exercerem suas competências investigativas/fiscalizatórias. Não pode a maioria moldar o sistema para frustrar o direito de investgiação garantido pela Constituição às minorias, que também representam parcela do povo brasileiro.

Ilustrando esse sentendimento, transcrevem-se precedentes do Supremo Tribunal Federal:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N. 3619, RELATOR MIN. EROS GRAU, DJ 20-04-07: Ação direta de inconstitucionalidade. Artigos 34, § 1º, e 170, inciso I, do Regimento Interno da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Comissão Parlamentar de Inquérito. Criação. Deliberação do Plenário da assembléia legislativa. Requisito que não encontra respaldo no texto da Constituição do Brasil. Simetria. Observância compulsória pelos estados-membros. Violação do artigo 58, § 3º, da Constituição do 14 Brasil. A Constituição do Brasil assegura a um terço dos membros da Câmara dos Deputados e a um terço dos membros do Senado Federal a criação da comissão parlamentar de inquérito, deixando, porém ao próprio parlamento o seu destino. A garantia assegurada a um terço dos membros da Câmara ou do Senado estende-se aos membros das assembléias legislativas estaduais – garantia das minorias. O modelo federal de criação e instauração das comissões parlamentares de inquérito constitui matéria a ser compulsoriamente observada pelas casas legislativas estaduais. A garantia da instalação da CPI independe de deliberação plenária, seja da Câmara, do Senado ou da Assembléia Legislativa. Precedentes. Não há razão para a submissão do requerimento de constituição de CPI a qualquer órgão da Assembléia Legislativa. Os requisitos indispensáveis à criação das comissões parlamentares de inquérito estão dispostos, estritamente, no artigo 58 da CB/88. Pedido julgado procedente para declarar inconstitucionais o trecho ‘só será submetido à discussão e votação decorridas 24 horas de sua apresentação, e’, constante do § 1º do artigo 34, e o inciso I do artigo 170, ambos da Consolidação do Regimento Interno da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. 

MANDADO DE SEGURANÇA N. 26.441-MC, RELATOR MIN. CELSO DE MELLO, DJ 09-04-07: Nem se diga, consideradas as razões que venho de expor, que a rejeição do ato de criação da CPI, em sede recursal, pelo Plenário da Câmara dos Deputados, por expressiva maioria, teria o condão de justificar a frustração do direito de investigar que a própria Constituição da República reconhece às minorias parlamentares. É que, como se sabe, deliberações parlamentares majoritárias (ou, até mesmo, unânimes) não se qualificam como fatores de legitimação de atos eventualmente inconstitucionais que delas resultem, eis que nada pode justificar, considerado o próprio significado do regime democrático, a perversão das Instituições, notadamente quando os atos do Parlamento transgridem direitos, prerrogativas e garantias assegurados pela Constituição da República. Em uma palavra: deliberações parlamentares, ainda que resultantes de votações unânimes ou majoritárias, não se revestem de autoridade suficiente para convalidar os vícios gravíssimos da inconstitucionalidade, pois, se tal fosse possível, a vontade de um dos Poderes constituído culminaria por subverter a supremacia da Constituição, vulnerando, de modo inaceitável, o próprio significado do regime democrático. Cumpre registrar, finalmente, em face das gravíssimas conseqüências que vêm afetando a regularidade do sistema de tráfego aéreo neste País, com especial atenção para o trágico acidente ocorrido em 29-9-2006, que o inquérito parlamentar pretendido pelas minorias legislativas que atuam na Câmara dos Deputados, mais do que representar prerrogativa desses grupos minoritários, constitui direito insuprimível dos cidadãos da República, de quem não pode ser subtraído o conhecimento da verdade e o pleno esclarecimento dos fatos que tanto prejudicam os superiores interesses da coletividade. É importante reconhecer, por isso mesmo, que, no regime democrático, o cidadão tem direito à informação, pois, consoante adverte Norberto Bobbio, em lição magistral (O Futuro da Democracia, 1986, Paz e Terra), não há, nos modelos políticos que consagram a democracia, espaço possível reservado ao mistério. Todas as considerações que venho de fazer, necessárias à análise do pedido de medida cautelar, levam-me a reconhecer configurado o requisito da plausibilidade jurídica da pretensão exposta pelos ora impetrantes. Tenho para mim, por outro lado, que o requisito pertinente ao periculum in mora mostra-se evidenciado na espécie, em face, notadamente, da superveniência do acolhimento, pelo Plenário da Câmara dos Deputados, do Recurso n. 14/2007, do Senhor Líder do Partidos dos Trabalhadores, de que resultou o arquivamento do pedido de criação e instauração da Comissão Parlamentar de Inquérito em causa. Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, defiro o pedido de medida liminar, para determinar, cautelarmente, até o julgamento final do presente mandado de segurança, o imediato desarquivamento do Requerimento n. 01/2007, que objetiva instituir Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a ‘investigar as causas, conseqüências e responsáveis pela crise do sistema de tráfego aéreo brasileiro, desencadeada após o acidente aéreo ocorrido no dia 29 de setembro de 2006, envolvendo um Boeing 737-800, da Gol (vôo 1907,) e um jato Legacy, da América Excel Aire, com mais de uma centena de vítimas (...)’ (fls. 17v. -grifei). A presente decisão, portanto, limita-se a paralisar os efeitos da deliberação plenária da Câmara dos Deputados proferida na Sessão Extraordinária de 21-3-2007, impedindo, desse modo, até final decisão do Supremo Tribunal Federal, que se tornem irreversíveis as conseqüências resultantes da desconstituição do Ato da Presidência dessa Casa do Congresso Nacional que havia reconhecido a criação de mencionada CPI. Mantém-se, portanto, subsistente o Ato da Presidência em questão (que entendera válida a criação da CPI em causa), cuja publicação – referida no art. 35, § 2º, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados – deverá aguardar o julgamento final desta ação de mandado de segurança. Assinalo, por necessário, em ordem a definir a extensão da presente medida cautelar, não se revelar constitucionalmente viável, a esta Suprema Corte, mediante simples provimento de caráter liminar, deferir ‘a instalação e o funcionamento provisórios da CPI (...)’ (fls. 11). É que não existem, em nosso sistema político-jurídico, nem a instituição provisória, nem o funcionamento precário de Comissão Parlamentar de Inquérito, cuja instalação, por isso mesmo, dependerá da eventual concessão, pelo Supremo Tribunal Federal, deste mandado de segurança. Na realidade, esta medida liminar, além de realçar a densidade jurídica do pedido formulado pelos impetrantes, obsta, até final julgamento do Supremo Tribunal Federal, que se tornem definitivos e irreversíveis os efeitos (juridicamente negativos) decorrentes da deliberação plenária da Câmara dos Deputados.

MANDADO DE SEGURANÇA N. 26.441, REL. MIN. CELSO DE MELLO, DJ 18-12-09): Existe, no sistema político-jurídico brasileiro, um verdadeiro estatuto constitucional das minorias parlamentares, cujas prerrogativas – notadamente aquelas pertinentes ao direito de investigar – devem ser preservadas pelo Poder Judiciário, a quem incumbe proclamar o alto significado que assume, para o regime democrático, a essencialidade da proteção jurisdicional a ser dispensada ao direito de oposição, analisado na perspectiva da prática republicana das instituições parlamentares. A norma inscrita no art. 58, § 3º, da Constituição da República destina-se a ensejar a participação ativa das minorias parlamentares no processo de investigação legislativa,sem que, para tanto, mostre-se necessária a concordância das agremiações que compõem a maioria parlamentar. O direito de oposição, especialmente aquele reconhecido às minorias legislativas, para que não se transforme numa prerrogativa constitucional inconseqüente, há de ser aparelhado com instrumentos de atuação que viabilizem a sua prática efetiva e concreta no âmbito de cada uma das Casas do Congresso Nacional. A maioria legislativa não pode frustrar o exercício, pelos grupos minoritários que atuam no Congresso Nacional, do direito público subjetivo que lhes é assegurado pelo art. 58, § 3º, da Constituição e que lhes confere a prerrogativa de ver efetivamente instaurada a investigação parlamentar, por período certo, sobre fato determinado. Precedentes: MS 24.847/DF, Rel. Min. Celso de Mello. A ofensa ao  direito das minorias parlamentares constitui, em essência, um desrespeito ao direito do próprio povo, que também é representado pelos grupos minoritários que atuam nas Casas do Congresso Nacional. (...) O requisito constitucional concernente à observância de 1/3 (um terço), no mínimo, para criação de determinada CPI (CF, art. 58, § 3º), refere-se à subscrição do requerimento de instauração da investigação parlamentar, que traduz exigência a ser aferida no momento em que protocolado o pedido junto à Mesa da Casa legislativa, tanto que, ‘depois de sua apresentação à Mesa’, consoante prescreve o próprio Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 102, § 4º), não mais se revelará possível a retirada de qualquer assinatura. Preenchidos os requisitos constitucionais (CF, art. 58, § 3º), impõe-se a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito, que não depende, por isso mesmo, da vontade aquiescente da maioria legislativa. Atendidas tais exigências (CF, art. 58, § 3º), cumpre, ao Presidente da Casa legislativa, adotar os procedimentos subseqüentes e necessários à efetiva instalação da CPI, não se revestindo de legitimação constitucional o ato que busca submeter, ao Plenário da Casa legislativa, quer por intermédio de formulação de Questão de Ordem, quer mediante interposição de recurso ou utilização de qualquer outro meio regimental, a criação de qualquer comissão parlamentar de inquérito. A prerrogativa institucional de investigar, deferida ao Parlamento (especialmente aos grupos minoritários que atuam no âmbito dos corpos legislativos), não pode ser comprometida pelo bloco majoritário existente no Congresso Nacional, que não dispõe de qualquer parcela de poder para deslocar, para o Plenário das Casas legislativas, a decisão final sobre a efetiva criação de determinada CPI, sob pena de frustrar e nulificar, de modo inaceitável e arbitrário, o exercício, pelo Legislativo (e pelas minorias que o integram), do poder constitucionalde fiscalizar e de investigar o comportamento dos órgãos, agentes e instituições do Estado, notadamente daqueles que se estruturam na esfera orgânica do Poder Executivo. A rejeição de ato de criação de Comissão Parlamentar de Inquérito, pelo Plenário da Câmara dos Deputados, ainda que por expressiva votação majoritária, proferida em sede de recurso interposto por Líder de partido político que compõe a maioria congressual, não tem o condão de justificar a frustração do direito de investigar que a própria Constituição da República outorga às minorias que atuam nas Casas do Congresso Nacional



quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Implicações jurídico-tributárias em razão da ocupação de bem público por particular

Um bem público ocupado por particular estaria beneficiado pela imunidade tributária prevista no art. 150, VI, da Constituição (imunidade recíproca)?

A definição de bem público é trazida pelo Código Civil de 2002, preceituando que "são públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem".

Trata-se de uma repetição do conceito trazido pelo Código de 1916, esquecendo o legislador ordinário que algumas entidades da Administração Indireta passaram a ter natureza pública - a exemplo das autarquias, fundações de direito público e as associações administrativas (consórcios administrativos de direito público) - estendendo o conceito de bens públicos para além daquele trazido pelo Código. 

Apresenta-se, como alternativa, o conceito proposto por José dos Santos Carvalho Filho, que descreve bens públicos como "todos aqueles que, de qualquer natureza e a qualquer título, pertençam às pessoas jurídicas de direito público, sejam elas federativas, como a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, sejam da Administração descentralizada, como as autarquias, nestas incluindo-se as fndações de direito público e as associações públicas". 

Sem dúvida, esses bens seriam agraciados pela imunidade recíproca anteriormente mencionada. No entanto, caso um bem imóvel de propriedade do Estado fosse ocupado por um particular em razão de uma concessão administrativa para prestação de serviços públicos, ainda sim estaria beneficiado pela imunidade tributária? (por exemplo, não estaria sujeito ao pagamento de IPTU)

A princípio, poderiamos pensar que por se tratar de uma imunidade "ratio personae", haveria a  ocorrência do fato gerador do IPTU, já que o tão só fato do bem ser público não afasta a hipótese de incidência. Só haveria imunidade, assim, se um ente público, proprietário ou não, tivesse a posse direta do bem. 

Estabelece o art. 32 do Código Tributário Nacional que "O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município".
 
O art. 32 do CTN não pode ser interpretado como tendo englobado, no conceito de posse, de forma indiscriminada, o ocupante de bem público, sempre em caráter precário; o mero detentor, ou o mero possuidor. Esse sim, responsável pelo tributo incidente sobre o imóvel privado de que tem a posse, na qualidade de substituto do proprietário, figura de ordinário desconhecida, ou no mínimo, alheio ao destino do bem tributado. 
 
Tratando-se de bem público, pois, não há dúvida de que a imunidade recíproca incide sobre o bem, ainda que sob a posse direta de particular prestador de serviço público. Assim, a mera delegação ao particular não é capaz de "afastar" a natureza pública do bem para fins de tributação. 

Esse também é o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, conforme ementa abaixo transcrita: 
 
EMENTA: TRIBUTÁRIO. IPTU. IMÓVEIS QUE COMPÕEM O ACERVO PATRIMONIAL DO PORTO DE SANTOS, INTEGRANTES DO DOMÍNIO DA UNIÃO. Impossibilidade de tributação pela Municipalidade, independentemente de encontrarem-se tais bens ocupados pela empresa delegatária dos serviços portuários, em face da imunidade prevista no art. 150, VI, a, da Constituição Federal. Dispositivo, todavia, restrito aos impostos, não se estendendo às taxas. Recurso parcialmente provido (STF, 1ª Turma, RE 253.394-SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 11-04-2003).
 
(Sem revisão)

















quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Cidadãos: aliados ou inimigos dos professores? (Manifestações e passeatas em BH)

Há 75 dias o Sindicato dos Professores do Estado encontra-se em constante manifestação de greve, cujo pleito se dirige à melhoria no plano de carreira dos sindicalizados e dos seus vencimentos. 

Trata-se, indubitavelmente, de um direito constitucional garantido aos servidores públicos pelo art. 37, VII da Carta Magna, agora, independentemente de lei específica. Por unanimidade, entendeu o plenário do STF reconhecer a omissão legislativa quanto ao dever constitucional de editar lei que regulamente o exercício do direito de greve no setor público e, por maioria, decidiu aplicar ao setor, no que couber, a lei de greve vigente ao setor privado, qual seja a Lei n. 7.783/1989. 

Em verdade, não sei dizer se a greve que ocorre em BH é setorizada. Posso dizer que, há muito, não concordo com ela. Sem os "blablablas" de abuso de direito, seguem minhas razões.

TODAS as manifestações que ocorreram nesses últimos 80 dias foram realizadas nas áreas centrais de BH, no cruzamento das avenidas Afonso Pena e Amazonas (para quem não conhece, equivaleria parar, por exemplo, a Avenida Paulista, em São Paulo). São vias denominadas pela lei de de uso e ocupação do solo de BH como "vias arteriais". Como no corpo humano, se elas "entopem", você morre (com ressalvas aos amigos médicos, a desculpa pela analogia). 

Pois bem, a necessidade de "cateterismo" não ocorreu uma, duas, mas várias vezes, sendo todas as passeatas com a mesma finalidade: luta por melhorias na carreira dos professores. 

Segundo relatórios da BHTRANS que tive acesso em razão de funções que exerço na atividade da advocacia, alguma dessas manifestações geraram engarrafamento que extrapolavam os 500km. Parece exagero, mas não é. Imagine uma capital, 18h, em plena sexta-feira. Imagine você andando em BH, entre a "afonso pena e amazonas, que faz ligação com a rua da bahia, que cruza a espirito santo, que é via de acesso à av. bias fortes, que é caminho para a Praça Raul Soares, que torna-se acesso ao elevado que encaminha o trânsito para o Bairro Padre Eustáquio". Fácil fácil chegariamos a um engarrafamento desse porte.

Deixando "você-nós" de lado, pense nos serviços emergenciais. Pense nos veículos de salvamento ou patrilhamento, como ambulâncias, caminhões do corpo de bombeiros viatura da polícia. Você que conhece a cidade como eu sabe que a região central concentra todos esses serviços. Imagine que o atraso de um paramédico pode fazer a diferença entre vida e morte de um indivíduo. Esses dados foram divulgados? Não que eu saiba. Interesse político dos sindicatos classistas? Também não sei informar...

Pense em você agora: que sai do trabalho cansado e quer ir para casa; que quer levar seu filho na escola; que deseja ter um momento cultural com a família no meio de semana assistindo uma peça de teatro no palácio das artes. Até que ponto o direito de reivindicação dos professores pode atrapalhar a rotina de vida de você? Até que ponto você é obrigado a tolerar esse tipo de comportamento?

Pense em termos financeiros. O Ministério Público de São Paulo realizou um estudo para subsidiar uma ação cautelar (com a finalidade de aplicação de astreintes) contra sindicatos do Estado e constatou que a hora/salário de congestionamento causa prejuízos ao município de ordem de R$173.686,10 (cento e setenta e três mil, seissentos e oitenta e seis reais e dez centavos). Quanto tempo você leva para chegar em casa? Três? Quatro horas? 

Em termos técnicos, o direito de reunião não é absoluto, como bem atesta o STF conforme a ementa que se segue:

Os direitos e garantias individuais não têm caráter absoluto. Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas - e considerado o substrato ético que as informa - permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros." (MS 23.452, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 12/05/00).
Os TJ estaduais, no mesmo sentido, entendem acercadamente que:

“A liberdade sindical, o direito de reunião e mesmo a liberdade de associação são temas caros ao Estado Democrático de Direito, sendo desnecessário repisar. No entanto, conspira contra o exercício legítimo desses direitos fundamentais a irresponsabilidade dos que manejam o poder associativo, especialmente quando não levam em conta os que titularizam direitos fundamentais concorrentes. (...) O agendamento da reunião era fato público, era por todos conhecido, mas o seu desenvolvimento (com a organização de passeata posterior à assembléia geral e a conseqüente paralisação do tráfego) somente os organizadores poderiam antever.” (TJSP, Apelação Cível nº 320.859.4/8-00, 9ª Câmara de Direito Privado do TJSP, v.u., Relator Sérgio Gomes, j. 07.10.2004).


“Ocorre sim lesão a interesses individuais homogêneos, com dano injusto incontestável. O prejuízo é social porque composto de fragmentos da nocividade individual que se soltaram e que somente se fundem em um todo impessoal. A impunidade constitui apologia para a desordem em detrimento da massa indefesa, que sem resposta do Estado-juiz perde a esperança de participar de uma sociedade justa, com controle efetivo.” Apelação Cível nº 083.250-4/2, 3ª Câmara de Direito Privado do TJSP, Relator Ênio Santarelli Zuliani, j. 24.08.1999.

ACIVIL PÚBLICA - MEDIDA CAUTELAR - Liminar deferida para coibir o sindicato a promover passeatas em vias de circulação de São Paulo, por onde trafeguem veículos automotores (bem como se abstenha de interromper ou prejudicar a fruição do trânsito, por qualquer meio) - Competência desta Câmara, diante do julgamento de Dúvida de Competência suscitada pela 7a Câmara de Direito Público - Presença do fumus boni júris e periculum in mora - Passeatas que ensejaram a propositura da ação que sempre ocorriam em dias úteis (especialmente às sextas-feiras) e durante o horário comercial, interditando movimentadas vias públicas (principalmente a Avenida Paulista), impedindo ou dificultando acesso a hospitais localizados na região - Agravante reincidente em tal conduta (o que também justifica a manutenção da medida liminar) - Direito de greve que, ademais, não foi tolhido (já que a assembléia dos professores acabou sendo realizada na Praça da República e a liminar impede a realização de tais manifestações em locais que não impeçam a fruição do trânsito) - Discussão acerca da ausência de abuso de direito ou afronta a direito constitucional do agravante, extrapola os limites do recurso que pretende a revogação da liminar - Manifestações mencionadas pela agravante ('Parada Gay\ '7" de Maio da CUT e 'Marcha para Jesus1) que fazem parte do calendário oficial da cidade e não se realizam em dias úteis - Decisão mantida - Recurso improvido.  

É a situação que ocorre no município de BH. TODO MUNDO JÁ SABE a finalidade das passeatas dos professores."Mas gustavo, a intenção é incomodar!". Então o instrumento de sindicalização não está servindo para os fins que foi criado. É a história da pedra no caminho: o marginal, pega e a atira na janela; o trabalhador, com ela constrói uma casa. De que lado os professores estão? Já construíram sua casa? Se o pleito não foi atendido, a culpa é nossa? Existem outros instrumentos para lutar pelos direitos sem invadir a esfera jurídica alheia?

São breves considerações que deixo para abandonar o "clichê" e que eu acho que merecem reflexão.

Forte abraço a todos,

Gustavo 

(texto sem revisão)




segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

REGIME PRESCRICIONAL DAS TARIFAS E PREÇOS PÚBLICOS

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A Administração Pública pode prestar serviços públicos de forma direta (regime de monopólio ou segurança nacional) ou indireta, através de contratos de concessão ou permissão, sempre precedidos de licitação. (art. 175, CF). Essa prestação será remunerada, em regra, por meio de tarifa, podendo ainda existir outras fontes provenientes de receitas alternativas (art. 11, L8987/95).

Tomando-se em consideração que não haja suspensão da prestação do serviço público frente ao inadimplemento do usuário (art. 6º, §3º, II, L8987/95), qual seria o prazo prescricional para a cobrança desses valores?

2. POSIÇÃO JURISPRUDENCIAL

É pacífico o entendimento que tratando-se da cobrança de tarifas ou preços públicos (créditos de natureza não-tributária), aplica-se o prazo prescricional previsto pelo Código Civil
A natureza jurídica da remuneração dos serviço spúblicos prestados pelas concessionárias é de tarifa ou preço público, tendo, como já dito, natureza não tributária, razão pela qual não há subsunção ao regime jurídico tributário estabelecido para as taxas. 

Ainda que a lei preveja a inscrição dos créditos não tributários na dívida ativa e sua posterior satisfação pela execução fiscal (art. 1º e 2º da L6830/80 c/c art. 39, §2º, L4320/64), não se aplicam as disposições constantes do CTN (art. 3º). Consequentemente, o prazo prescricional será regido pelo CC/02, sendo inaplicável também o Decreto 20.910/32, uma vez que: "...considerando que o critério a ser adotado, para efeito da prescrição, é o da natureza tarifária da prestação, é irrelevante a condição autárquica do concessionário do serviço público. O tratamento isonômico atribuído aos concessionários (pessoas de direito público ou de direito privado) tem por suporte, em tais casos, a idêntica natureza da exação de que são credores. Não há razão, portanto, para aplicar ao caso o art. 1º do Decreto 20.910/32, norma que fixa prescrição em relação às dívidas das pessoas de direito público, não aos seus créditos ." (REsp 928.267/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, julgado em 12.08.2009, DJe 21.08.2009) 
Conforme o art. 205 do CC/02: "A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor. (...) Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada." 

PROCESSO CIVIL. CUSTEIO DO SERVIÇO DE ÁGUA E ESGOTO. NATUREZA JURÍDICA. PRESCRIÇÃO. 1. O Superior Tribunal de Justiça, seguindo a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal, tem decidido que contraprestação cobrada por autarquia municipal a título de fornecimento de água potável encanada ostenta natureza jurídica de tarifa ou preço público, motivo pelo qual a prescrição deve ser regida pelas normas do Direito Civil. 2. Consequentemente, o art. 1º do Decreto 20.910/32 não tem aplicação, independentemente da natureza autárquica da concessionária que presta o serviço e titulariza o crédito. 3. Essa orientação foi reafirmada pela egr. Primeira Seção, nos termos do artigo 543-C do Código de Processo Civil (REsp 1.117.903/RS, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção,DJe 01/02/2010). 4. Recurso especial provido. Precedente, STJ, 2ª Turma, REsp 1.163.968, Rel. Min. Castro Meira, d.j. 13.04.10.
Sem revisão...

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O ITCMD

1. CONCEITO
 
Trata-se de imposto de competência dos Estados, previsto no art. 155, I da CF. Seu núcleo de incidência é a transmissão gratuita de bens, genericamente considerados (imóveis ou móveis).
Art. 155, CF. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
I - transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;
2. FATO GERADOR 
 
Essa transmissão gratuita pode ocorre em virtude de doação (ato “inter vivos”) ou de partilha em um processo de inventário ou arrolamento.

1- ITCMD sobre doação: o fato gerador ocorre no momento da transmissão do bem. Caso se trate de bem móvel, a transmissão se dá com a tradição. Caso se trate de bem imóvel, a transmissão se dá com o registro;

2- ITCMD “causa mortis: o fato gerador ocorre com a abertura da sucessão, que se confunde com o momento da morte.

2.1. Incidência do ITCMD na morte presumida
 
Conforme entendimento sumulado do STF no enunciado 331: “É legítima a incidência do imposto de transmissão "causa mortis" no inventário por morte presumida”.Nesse caso, o fato gerador concretiza-se a partir do momento que se declara a morte presumida.

3. COMPETÊNCIA
 
Dúvida surge quanto à competência para a cobrança do imposto, isto é: “Para qual Estado o ITCMD é devido (local de competência para se exigir o ITCMD)”?

1- Bem imóvel: tratando-se de bem imóvel, o imposto será devido ao estado de situação do bem (tanto para doação quanto para transmissão via inventário / arrolamento)

2- Bem móvel: tratando-se de bem móvel, dependerá do motivo da transmissão.
  • Transmissão “causa mortis”: o ITCMD deverá ser recolhido ao estado onde se processar o inventário ou o arrolamento. 
  • Transmissão por ato “inter vivos”: o ITCMD deverá ser recolhido pelo Estado onde tiver domicílio o doador.
Art. 155, § 1º, CF. O imposto previsto no inciso I:
I - relativamente a bens imóveis e respectivos direitos, compete ao Estado da situação do bem, ou ao Distrito Federal
II - relativamente a bens móveis, títulos e créditos, compete ao Estado onde se processar o inventário ou arrolamento, ou tiver domicílio o doador, ou ao Distrito Federal;
III - terá competência para sua instituição regulada por lei complementar:
a) se o doador tiver domicilio ou residência no exterior;
b) se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior;
IV - terá suas alíquotas máximas fixadas pelo Senado Federal;
3. SUJEITO PASSIVO DO ITCMD

1- Transmissão “causa mortis”: o sujeito passivo será o herdeiro ou o legatário;

2- Transmissão “inter vivos”: o sujeito passivo será o donatário (aquele que recebe a doação). Em relação ao donatário, é possível que se estabeleça regime de solidariedade com o doador (encontra-se essa solidariedade em algumas legislações estaduais). Essa solidariedade está disciplinada no artigo 124 do CTN.

Art. 124, CTN. São solidariamente obrigadas:
I - as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal;
II - as pessoas expressamente designadas por lei.
Parágrafo único. A solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem.

3.1. Regime de solidariedade
 
Afirmar a existência de solidariedade significa que ambos os sujeitos são devedores na mesma medida, estando obrigados a pagar a integralidade do ITCMD. Assim, o Estado poderá cobrar do doador ou do donatário de forma indiscriminada (não há benefício de ordem).

3.2. Consequências do regime de solidariedade
  • Ambos são devedores da integralidade;
  • Não haverá benefício de ordem entre eles;
  • Efeitos do artigo 125 do CTN;
Art. 125, CTN. Salvo disposição de lei em contrário, são os seguintes os efeitos da solidariedade:
I - o pagamento efetuado por um dos obrigados aproveita aos demais;
II - a isenção ou remissão de crédito exonera todos os obrigados, salvo se outorgada pessoalmente a um deles, subsistindo, nesse caso, a solidariedade quanto aos demais pelo saldo;
III - a interrupção da prescrição, em favor ou contra um dos obrigados, favorece ou prejudica aos demais.
4. BASE DE CÁLCULO

Será o valor venal do bem transmitido.
 
5. ALÍQUOTAS
 
Serão fixadas por cada estado. No entanto, há um teto fixado pelo Senado Federal (via resolução). Atualmente, o limite é de 8%.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

PRESTAÇÃO MATERIAL DO ESTADO E RESERVA DO POSSÍVEL

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O termo “direitos fundamentais” originou-se no séc. XVIII, sobretudo das revoluções burguesas, a exemplo da Revolução francesa (Perez Luño e Marcelo Neves). Podem ser definidos como os direitos humanos que sofreram um processo de positivação e de constitucionalização, passando a compor o ordenamento jurídico interno de um Estado Nacional.

Diversos são os autores que tentam classificar os direitos fundamentais, ora tendo como foco a topografia da Constituição (direitos individuais, sociais, da nacionalidade, políticos e partidos políticos), ora pelo contexto histórico em que são analisados (1ª a 5º geração, para Paulo Bonavides e José Adércio). Por questões didáticas e objetivo do tópico, farei uma breve exposição da classificação proposta por Jellineck "quanto às funções dos direitos fundamentais". 

2. CLASSIFICAÇÃO QUANTO ÀS FUNÇÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Inicialmente, o citado autor elaborou a "Teoria dos 04 status" no início do séc. XX, afirmando a existência de posições do indivíduo frente ao Estado. Seriam elas passiva, negativa, positiva e ativa

A posição passiva era compreendida pelas obrigações que o indivíduo (conjunto de deveres) tinha com o Estado. Antes de qualquer direito, deveriam os cidadãos cumprir seus deveres (status subjectionis). Quanto ao estado negativo (status libertatis), tratava-se da possibilidade do indivíduo exigir prestações negativas do Estado para que ele exercesse sua autonomia privada. O terceiro estado, positivo, era compreendido pela possibilidade do indivíduo exigir prestações positivas do Estado através de ações para a redução de desigualdades. Por fim, o estado ativo era aquele em que o indivíduo era dotado de direitos de participação na vida política do Estado na condição de cidadão ativo da comunidade política.

Com o desenvolvimento da teoria anterior, Canitilho, Jorge Miranda, Alexy e Gilmar Mendes entendem que os direitos fundamentais são divididos em três funções:
 
A. Direitos de defesa: Caracterizam-se por impor ao Estado um dever de abstenção, de não interferência na autonomia privada (desenvolvimento da autodeterminação). Essa intervenção só será legítima se tiver por finalidade o restabelecimento do equilíbrio. Exemplo – Art. 5º, II, III, IV, VI.
 
B. Direitos de prestação: Caracterizam-se por exigir do Estado uma atuação positiva para atenuar desigualdades fático-sociais. Esses direitos se diferenciam em dois grandes grupos:
 
B.1) Prestações jurídicas: Visam a atuação positiva do Estado para a proteção de bens jurídicos entendidos como direitos fundamentais. Exemplo – Art. 5º, XLIII da CF: produção de leis para definição de crimes hediondos, regulamentando o referido dispositivo constitucional;

B.2) Prestações materiais: São direitos a prestação em sentido estrito, visando atenuar desigualdades fático-sociais. Exemplos – Arts. 6º, 205, 215, todos da CF.

C. Direitos de participação: visam garantir a participação do indivíduo nos processos de formação da vontade política do Estado e da sociedade, ao contrário do pensamento de Jellinek, que envolve somente o Estado.

3. PRESTAÇÃO MATERIAL DO ESTADO E O PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL

Tecidas essas considerações, faz-se necessário questionar sobre o seguinte ponto: o quão estaria a prestação material vinculada à disponibilidade orçamentária do Estado? Sabe-se que após o precedente aberto pela ADPF 45, as prestações materiais estão sujeitas à reserva do possível (limitação orçamentárias) para sua efetivação. Exemplo – Art. 215, CF: garante o exercício de direitos culturais e acesso as fontes culturais nacionais, sujeitas a disponibilidade orçamentária.

Porém, essas limitações devem ser afastadas para a garantia de um mínimo existencial social a luz da dignidade da pessoa humana. Ou seja, a reserva do possível sucumbe a um grau mínimo de eficácia dos direitos fundamentais sociais (afasta-se a reserva do possível). Sendo assim, excepcionalmente, o Poder Judiciário, com base no princípio da proporcionalidade, poderá interferir na discricionariedade do Poder Público (no que tange a efetivação de políticas públicas). Exemplo – Precedente, RE 410.715: afastou a limitação orçamentária no que tange a construção de creches, sendo objeto de mínimo existencial social.

E M E N T A: RECURSO EXTRAORDINÁRIO - CRIANÇA DE ATÉ SEIS ANOS DE IDADE - ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA - EDUCAÇÃO INFANTIL - DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV) - COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO - DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º) - RECURSO IMPROVIDO. - A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). - Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das "crianças de zero a seis anos de idade" (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal. - A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. - Os Municípios - que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) - não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. - Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão - por importar em descumprimento dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório - mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à "reserva do possível". Doutrina. Precedente, STF, 2ª T, RE 410.715/SP, Rel. Min. Celso de Mello, d.j. 22.11.05.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

REDUÇÃO DA MENORIDADE PENAL E A CAPACIDADE DE AUTODETERMINAÇÃO

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

É interessante como os debates sobre alguns temas do direito tornam-se tão calorosos, mesmo que o pensamento comum muitas vezes é manipulado por um argumento convincente, ainda que não seja o mais correto. Por isso, proponho nesse post uma reflexão sobre um desses assuntos, qual seja a redução da menoridade penal. Registre-se que não tenho a intenção de desmerecer qualquer opinião sobre o assunto, mas tão somente analisar o aspecto técnico-jurídico que é deixado de lado nas discussões as quais eu me referi.

2. A ESTRUTURA DA CULPABILIDADE

Pode-se dizer que a culpabilidade se apresenta com o mesmo nome em três momentos distintos e com concepções diferentes: a) como princípio fundamental e direito penal; b) como elemento integrante do conceito de crime; c) como fundamento e limitação da pena.
  • Como princípio fundamental, a culpabilidade deve ser entendida pela responsabilidade penal subjetiva, isto é, para que haja crime, o indivíduo deve atuar com dolo ou culpa quanto ao resultado típico (dolo normativo). 
  • Sabe-se que o crime é composto pela tipicidade, ilicitude e culpabilidade, entendendo-se esta última como a reprovabilidade pessoal da conduta necessária para a caracterização do crime. Assim, sob a ótica da concepção tripartida majoritária, crime é um injusto típico reprovável (Maurach – Doutrina alemã). 
  • Por fim, a culpabilidade pode funcionar como limitador da pena, sendo a primeira e mais importante das circunstâncias judiciais analisadas na fixação da pena-base (art. 59, CP).
A culpabilidade, como elemento do crime, é composta pela imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. Pela intenção do blog, restringirei meus comentários à imputabilidade, deixando os demais elementos para um futuro post

3. A IMPUTABILIDADE PENAL

A imputabilidade é a plena capacidade do indivíduo de entender a natureza dos fatos e de se autodeterminar de acordo com esse entendimento. Pode-se aferir dois elementos, portanto: um de cunho cognitivo, sendo a capacidade de entender o caráter ilícito da conduta, e outro de cunho volitivo, externando-se pela vontade do agente.

Pelo que eu vejo, é aqui que nasce o problema. Fugindo da excepcionalidade de alguns casos, a maioria das pessoas fundamentam a redução da menoridade penal em razão da capacidade do adolescente de entender o caráter ilícito do fato ou seja, baseiam a redução no elemento cognitivo da imputabilidade. É aquela história: "Porra, o moleque de 15 anos já sabe tudo que faz: se ele praticou o crime, já sabia das consequências. Deve ser punido". No entanto, essa posição é um pouco perigosa. 

Insta pontuar que este, certamente, o elemento cognitivo é o fundamento pelo qual se afasta a imputabilidade no caso dos deficientes mentais (o velho "loucos de todo gênero").
 
Voltemos. Faça uma viagem no tempo e lembre de você com 05 anos de idade, na escolinha, na aula de recreação, onde se usava lápis, tesoura e cola. Você, já naquela época, sabia que era proibido "enfiar o lápis" no olho do coleguinha e que também não podia pegar a tesoura e cortar o dedo dele. Em resumo, você, segundo o argumento levantado pela maioria das pessoas, deveria responder penalmente, já que possui a capacidade de entender o caráter ilícito do fato, ainda que de forma perfunctória.


Diante desse argumento, alguns falariam: "Nãooo, mas a pessoa é muito nova, não pode, etc, etc. etc." Ora, então você concorda que o tão só fato da capacidade de entendimento não é suficiente para que a pessoa seja condenada, certo?  Se a redução fosse feita por esse argumentos, ao invés de celas existiriam berçários, as grades seriam de madeiras, e a refeição seria servida em mamadeiras. Ou seja, absurdo. 

Pois bem, aqui entra a técnica e o argumento que muitos (leigos) desconhecem. Para que haja a imputabilidade, como disse acima, não basta que o indivíduo tenha a capacidade de cognição, mas também deve ter autodeterminação (elemento volitivo). Entre 12 e 21 anos, as pessoas estão em fase de transição, não possuindo plena capacidade de auto-determinação, produto de aspectos fisiológicos ligados ao período da adolescência (mudança hormonal, inexistência de opinião fixa, impulsividade, etc.). Sendo que, entre 18 e 21 anos, embora seja plenamente imputável, devido ao período de transição, o agente responde pelo crime, mas com sua pena atenuada.

Portanto, a fixação da "maioridade penal" aos 18 anos se deve por um critério técnico da medicina, (critério biopsicológico, adotado pelo CP) e não do direito. No período compreendido entre 12 a 18 anos, haveria uma modificação hormonal do no indivíduo, onde a oscilação de humor, opinião, caracterizado por grande impulsividade nas condutas, obstaria a sua capacidade de auto-determinação. Assim, não há que se confundir o fundamento utilizado para os loucos (incapacidade de entender o fato) e aquele utilizado para os menores (incapacidade de se auto-determinar)

PENAL. HABEAS CORPUS. INCIDÊNCIA DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/06. INSTRUÇÃO DEFICIENTE. IMPOSSIBILIDADE DE INVERSÃO DO JULGADO. NÃO-CONHECIMENTO. EXCLUSÃO DA CAUSA DE AUMENTO DE PENA DECORRENTE DO ENVOLVIMENTO DE MENORES, PREVISTO NO INCISO III DO ART. 18 DA LEI 6.368/76. MAJORANTE MANTIDA PELA LEI 11.343/06, QUE ATUALMENTE REGE A MATÉRIA. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESSA EXTENSÃO, DENEGADA. 1. Por não se prestar à dilação de matéria fático-probatória, deve o habeas corpus ser instruído previamente de provas suficientes à demonstração inequívoca da ilegalidade apontada, sob pena de não-conhecimento. Precedentes do STJ e do STF. 2. O inciso III do art. 18, da Lei 6.368/76, vislumbrava hipóteses autônomas para a incidência da majorante – associação eventual ou ação delituosa que visa a alcançar menores de vinte e um anos ou quem tenha, por qualquer causa, diminuída ou suprimida capacidade de discernimento ou de autodeterminação. 3. A Lei 11.343/06 manteve a majorante referente ao envolvimento de menores no inciso VI do art. 40, motivo pelo qual não há falar em retroatividade. 4. Ordem parcialmente conhecida e, nessa extensão, denegada.