sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELO FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS (STA 175, STF)

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A responsabilidade civil do Estado é um tema intrigante dentro do Direito Administrativo, causando diversas polêmicas pelo seu casuísmo e rigor formal de algumas decisões, e outras vezes surpreendendo, uma vez que busca conferir um certo “grau de justiça” as mesmas.

Já um pouco ultrapassada, mais ainda recorrente nas provas, hoje, vou tentar escrever algumas palavras sobre a responsabilidade civil do Estado quanto ao fornecimento de medicamentos (mais especificamente sobre a STA 175 – Suspensão de tutela antecipada).

2. O PANORAMA

Apesar de ser tendencialista ao Estado, não posso deixar de reconhecer a precisão da decisão proferida pelo STF. Ocorre o seguinte: frente a demanda que visa a obtenção da prestação de um serviço de saúde (transplante, tratamento médico) ou fornecimento de medicamentos, União, Estados e Municípios se valem das mais diversas teses para se esquivarem da responsabilidade, ora trazendo argumentos de ordem material, como o princípio da reserva do possível, ora argumentos de ordem processual, alegando incompetência sua incompetência para atuar na matéria.

No entanto, essa discussão gera problemas processuais, já que definindo a competência da União, a ação deverá ser ajuizada na Justiça Federal, ao passo que se a responsabilidade for dos Estados ou Municípios, a competência será da Justiça Estadual. Essa situação nada atende o princípio da inafastabilidade da jurisdição como acesso a uma ordem jurídica justa (nova vertente do princípio, segundo a doutrina processualística civil moderna – tema para outro post). Por conseguinte, o jurisdicionado está a mercê de um incidente processual, sem tratamento médico e medicamentos, com a sua vida em risco.

3. A DECISÃO

Traçado o panorâma, o STF decidiu na STA 175, no voto de lavra do Min. Joaquim Barbosa, que questões processuais não podem comprometer o fornecimento de medicamentos e a proteção da saúde, fixando a responsabilidade solidária dos entes federados. Em suma, os entes federados podem se destruir dentro do processo discutindo sobre a competência de cada um dentro do SUS, mas enquanto isso, devem fornecer o medicamento. Como fundamento, sustentam que a saúde é direito constitucionalmente assegurado às pessoas, devem ser fornecido dentro dos ditames legais, independentemente de qualquer discussão de cunho processual.

Quanto ao argumento de ordem material, isto é, o princípio da reserva do possível e o efeito multiplicador que o precedente judicial poderia causar (levando ao ajuizamento de novas ações), este não deve prevalecer. Entende o STF que o dano causado a ordem, à economia e às finanças públicas não se presumem, devendo comprovar efetivamente essa lesão. Ademais, o efeito multiplicador tem um limitador, já que cada requerente deve comprovar sua necessidade de receber o tratamento médico ou o fornecimento de medicamentos (a individualização já afasta o efeito multiplicador).

STF. PLANO. SAÚDE. REMÉDIO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS E RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES EM MATÉRIA DE SAÚDE - 1. O Tribunal negou provimento a agravo regimental interposto pela União contra a decisão da Presidência do STF que, por não vislumbrar grave lesão à ordem, à economia e à saúde públicas, indeferira pedido de suspensão de tutela antecipada formulado pela agravante contra acórdão proferido pela 1ª Turma do TRF da 5ª Região. Na espécie, o TRF da 5ª Região determinara à União, ao Estado do Ceará e ao Município de Fortaleza que fornecessem a jovem portadora da patologia denominada Niemann-Pick tipo C certo medicamento que possibilitaria aumento de sobrevida e melhora da qualidade de vida, mas o qual a família da jovem não possuiria condições para custear. Alegava a agravante que a decisão objeto do pedido de suspensão violaria o princípio da separação de poderes e as normas e os regulamentos do Sistema Único de Saúde - SUS, bem como desconsideraria a função exclusiva da Administração em definir políticas públicas, caracterizando-se, nestes casos, a indevida interferência do Poder Judiciário nas diretrizes de políticas públicas. Sustentava, ainda, sua ilegitimidade passiva e ofensa ao sistema de repartição de competências, como a inexistência de responsabilidade solidária entre os integrantes do SUS, ante a ausência de previsão normativa. Argumentava que só deveria figurar no pólo passivo da ação o ente responsável pela dispensação do medicamento pleiteado e que a determinação de desembolso de considerável quantia para aquisição de medicamento de alto custo pela União implicaria grave lesão às finanças e à saúde públicas.
FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS E RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES EM MATÉRIA DE SAÚDE - 2. Entendeu-se que a agravante não teria trazido novos elementos capazes de determinar a reforma da decisão agravada. Asseverou-se que a agravante teria repisado a alegação genérica de violação ao princípio da separação dos poderes, o que já afastado pela decisão impugnada ao fundamento de ser possível, em casos como o presente, o Poder Judiciário vir a garantir o direito à saúde, por meio do fornecimento de medicamento ou de tratamento imprescindível para o aumento de sobrevida e a melhoria da qualidade de vida da paciente. No ponto, registrou-se que a decisão impugnada teria informado a existência de provas suficientes quanto ao estado de saúde da paciente e a necessidade do medicamento indicado. Relativamente à possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, reportou-se à decisão proferida na ADPF 45 MC/DF (DJU de 29/04/2004), acerca da legitimidade constitucional do controle e da intervenção do Poder Judiciário em tema de implementação de políticas públicas, quando configurada hipótese de injustificável inércia estatal ou de abusividade governamental. No que se refere à assertiva de que a decisão objeto desta suspensão invadiria competência administrativa da União e provocaria desordem em sua esfera, ao impor-lhe deveres que seriam do Estado e do Município, considerou-se que a decisão agravada teria deixado claro existirem casos na jurisprudência da Corte que afirmariam a responsabilidade solidária dos entes federados em matéria de saúde (RE 195.192/RS, DJU de 31/03/2000 e RE 255.627/RS, DJU de 23/02/2000). Salientou-se, ainda, que, quanto ao desenvolvimento prático desse tipo de responsabilidade solidária, deveria ser construído um modelo de cooperação e de coordenação de ações conjuntas por parte dos entes federativos. No ponto, observou-se que também será possível apreciar o tema da responsabilidade solidária no RE 566.471/RN (DJE de 07/12/2007), que teve reconhecida a repercussão geral e no qual se discute a obrigatoriedade de o Poder Público fornecer medicamento de alto custo. Ademais, registrou-se estar em trâmite na Corte a Proposta de Súmula Vinculante 4/STF, que propõe tornar vinculante o entendimento jurisprudencial a respeito da responsabilidade solidária dos entes da Federação no atendimento das ações de saúde. Ressaltou-se que, apesar da responsabilidade dos entes da Federação em matéria de direito à saúde suscitar questões delicadas, a decisão impugnada pelo pedido de suspensão, ao determinar a responsabilidade da União no fornecimento do tratamento pretendido, estaria seguindo as normas constitucionais que fixaram a competência comum (CF, art. 23, II), a Lei 8.080/90 (art. 7º, XI) e a jurisprudência do Supremo. Concluiu-se, assim, que a determinação para que a União pagasse as despesas do tratamento não configuraria grave lesão à ordem pública. Asseverou-se que a correção, ou não, desse posicionamento, não seria passível de ampla cognição nos estritos limites do juízo de contracautela.
FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS E RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES EM MATÉRIA DE SAÚDE - 3. De igual modo, reputou-se que as alegações concernentes à ilegitimidade passiva da União, à violação de repartição de competências, à necessidade de figurar como réu na ação principal somente o ente responsável pela dispensação do medicamento pleiteado e à desconsideração da lei do SUS não seriam passíveis de ampla delibação no juízo do pedido de suspensão, por constituírem o mérito da ação, a ser debatido de forma exaustiva no exame do recurso cabível contra o provimento jurisdicional que ensejara a tutela antecipada. Aduziu, ademais, que, ante a natureza excepcional do pedido de contracautela, a sua eventual concessão no presente momento teria caráter nitidamente satisfativo, com efeitos deletérios à subsistência e ao regular desenvolvimento da saúde da paciente, a ensejar a ocorrência de possível dano inverso, tendo o pedido formulado, neste ponto, nítida natureza de recurso, o que contrário ao entendimento fixado pela Corte no sentido de ser inviável o pedido de suspensão como sucedâneo recursal. Afastaram-se, da mesma forma, os argumentos de grave lesão à economia e à saúde públicas, haja vista que a decisão agravada teria consignado, de forma expressa, que o alto custo de um tratamento ou de um medicamento que tem registro na ANVISA não seria suficiente para impedir o seu fornecimento pelo poder público. Por fim, julgou-se improcedente a alegação de temor de que esta decisão constituiria precedente negativo ao poder público, com a possibilidade de resultar no denominado efeito multiplicador, em razão de a análise de decisões dessa natureza dever ser feita caso a caso, tendo em conta todos os elementos normativos e fáticos da questão jurídica debatida. (STA 175 AgR – CE - Rel. Min. Gilmar Mendes - 17/03/2010). 
 É isso ai,

Até 2011...

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