quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Cidadãos: aliados ou inimigos dos professores? (Manifestações e passeatas em BH)

Há 75 dias o Sindicato dos Professores do Estado encontra-se em constante manifestação de greve, cujo pleito se dirige à melhoria no plano de carreira dos sindicalizados e dos seus vencimentos. 

Trata-se, indubitavelmente, de um direito constitucional garantido aos servidores públicos pelo art. 37, VII da Carta Magna, agora, independentemente de lei específica. Por unanimidade, entendeu o plenário do STF reconhecer a omissão legislativa quanto ao dever constitucional de editar lei que regulamente o exercício do direito de greve no setor público e, por maioria, decidiu aplicar ao setor, no que couber, a lei de greve vigente ao setor privado, qual seja a Lei n. 7.783/1989. 

Em verdade, não sei dizer se a greve que ocorre em BH é setorizada. Posso dizer que, há muito, não concordo com ela. Sem os "blablablas" de abuso de direito, seguem minhas razões.

TODAS as manifestações que ocorreram nesses últimos 80 dias foram realizadas nas áreas centrais de BH, no cruzamento das avenidas Afonso Pena e Amazonas (para quem não conhece, equivaleria parar, por exemplo, a Avenida Paulista, em São Paulo). São vias denominadas pela lei de de uso e ocupação do solo de BH como "vias arteriais". Como no corpo humano, se elas "entopem", você morre (com ressalvas aos amigos médicos, a desculpa pela analogia). 

Pois bem, a necessidade de "cateterismo" não ocorreu uma, duas, mas várias vezes, sendo todas as passeatas com a mesma finalidade: luta por melhorias na carreira dos professores. 

Segundo relatórios da BHTRANS que tive acesso em razão de funções que exerço na atividade da advocacia, alguma dessas manifestações geraram engarrafamento que extrapolavam os 500km. Parece exagero, mas não é. Imagine uma capital, 18h, em plena sexta-feira. Imagine você andando em BH, entre a "afonso pena e amazonas, que faz ligação com a rua da bahia, que cruza a espirito santo, que é via de acesso à av. bias fortes, que é caminho para a Praça Raul Soares, que torna-se acesso ao elevado que encaminha o trânsito para o Bairro Padre Eustáquio". Fácil fácil chegariamos a um engarrafamento desse porte.

Deixando "você-nós" de lado, pense nos serviços emergenciais. Pense nos veículos de salvamento ou patrilhamento, como ambulâncias, caminhões do corpo de bombeiros viatura da polícia. Você que conhece a cidade como eu sabe que a região central concentra todos esses serviços. Imagine que o atraso de um paramédico pode fazer a diferença entre vida e morte de um indivíduo. Esses dados foram divulgados? Não que eu saiba. Interesse político dos sindicatos classistas? Também não sei informar...

Pense em você agora: que sai do trabalho cansado e quer ir para casa; que quer levar seu filho na escola; que deseja ter um momento cultural com a família no meio de semana assistindo uma peça de teatro no palácio das artes. Até que ponto o direito de reivindicação dos professores pode atrapalhar a rotina de vida de você? Até que ponto você é obrigado a tolerar esse tipo de comportamento?

Pense em termos financeiros. O Ministério Público de São Paulo realizou um estudo para subsidiar uma ação cautelar (com a finalidade de aplicação de astreintes) contra sindicatos do Estado e constatou que a hora/salário de congestionamento causa prejuízos ao município de ordem de R$173.686,10 (cento e setenta e três mil, seissentos e oitenta e seis reais e dez centavos). Quanto tempo você leva para chegar em casa? Três? Quatro horas? 

Em termos técnicos, o direito de reunião não é absoluto, como bem atesta o STF conforme a ementa que se segue:

Os direitos e garantias individuais não têm caráter absoluto. Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas - e considerado o substrato ético que as informa - permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros." (MS 23.452, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 12/05/00).
Os TJ estaduais, no mesmo sentido, entendem acercadamente que:

“A liberdade sindical, o direito de reunião e mesmo a liberdade de associação são temas caros ao Estado Democrático de Direito, sendo desnecessário repisar. No entanto, conspira contra o exercício legítimo desses direitos fundamentais a irresponsabilidade dos que manejam o poder associativo, especialmente quando não levam em conta os que titularizam direitos fundamentais concorrentes. (...) O agendamento da reunião era fato público, era por todos conhecido, mas o seu desenvolvimento (com a organização de passeata posterior à assembléia geral e a conseqüente paralisação do tráfego) somente os organizadores poderiam antever.” (TJSP, Apelação Cível nº 320.859.4/8-00, 9ª Câmara de Direito Privado do TJSP, v.u., Relator Sérgio Gomes, j. 07.10.2004).


“Ocorre sim lesão a interesses individuais homogêneos, com dano injusto incontestável. O prejuízo é social porque composto de fragmentos da nocividade individual que se soltaram e que somente se fundem em um todo impessoal. A impunidade constitui apologia para a desordem em detrimento da massa indefesa, que sem resposta do Estado-juiz perde a esperança de participar de uma sociedade justa, com controle efetivo.” Apelação Cível nº 083.250-4/2, 3ª Câmara de Direito Privado do TJSP, Relator Ênio Santarelli Zuliani, j. 24.08.1999.

ACIVIL PÚBLICA - MEDIDA CAUTELAR - Liminar deferida para coibir o sindicato a promover passeatas em vias de circulação de São Paulo, por onde trafeguem veículos automotores (bem como se abstenha de interromper ou prejudicar a fruição do trânsito, por qualquer meio) - Competência desta Câmara, diante do julgamento de Dúvida de Competência suscitada pela 7a Câmara de Direito Público - Presença do fumus boni júris e periculum in mora - Passeatas que ensejaram a propositura da ação que sempre ocorriam em dias úteis (especialmente às sextas-feiras) e durante o horário comercial, interditando movimentadas vias públicas (principalmente a Avenida Paulista), impedindo ou dificultando acesso a hospitais localizados na região - Agravante reincidente em tal conduta (o que também justifica a manutenção da medida liminar) - Direito de greve que, ademais, não foi tolhido (já que a assembléia dos professores acabou sendo realizada na Praça da República e a liminar impede a realização de tais manifestações em locais que não impeçam a fruição do trânsito) - Discussão acerca da ausência de abuso de direito ou afronta a direito constitucional do agravante, extrapola os limites do recurso que pretende a revogação da liminar - Manifestações mencionadas pela agravante ('Parada Gay\ '7" de Maio da CUT e 'Marcha para Jesus1) que fazem parte do calendário oficial da cidade e não se realizam em dias úteis - Decisão mantida - Recurso improvido.  

É a situação que ocorre no município de BH. TODO MUNDO JÁ SABE a finalidade das passeatas dos professores."Mas gustavo, a intenção é incomodar!". Então o instrumento de sindicalização não está servindo para os fins que foi criado. É a história da pedra no caminho: o marginal, pega e a atira na janela; o trabalhador, com ela constrói uma casa. De que lado os professores estão? Já construíram sua casa? Se o pleito não foi atendido, a culpa é nossa? Existem outros instrumentos para lutar pelos direitos sem invadir a esfera jurídica alheia?

São breves considerações que deixo para abandonar o "clichê" e que eu acho que merecem reflexão.

Forte abraço a todos,

Gustavo 

(texto sem revisão)