domingo, 19 de dezembro de 2010

DIREITO PENAL E A LEX TERTIA

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Arriscarei algumas palavras no campo (minado) penal, que não é muito a minha praia por sinal.  Par ver se o sono me pega (apesar do tema ser bastante legal), escreverei poucas palavras sobre conflito de leis penais no tempo, mais especificamente sobre a lex tertia. Seria possível a combinação de duas leis, criando uma terceira, para aplicar ao caso concreto de forma retroativa? Ex.: O crime ocorre na vigência da Lei A que é revogada pela Lei B, que por sua vez traz elementos que beneficiam o réu. Seria possível aplicar parcela da Lei B de forma retroativa juntamente com a Lei A (tempus regit actum) ?

A chamada lex tertia é a utilização parcial de duas ou mais leis pelo magistrado, criando uma "terceira" lei para aplicar ao caso concreto, com a finalidade de beneficiar o réu. O assunto está longe de ser pacífico, havendo divergência até mesmo entre os ministros do STF. Confesso que não sei se o tema já foi levado ao plenário, mas existe divergência entre os ministros.

2. CONTRÁRIOS À APLICAÇÃO

A vertente doutrinária que inadmite a aplicação da lex tertia possui fundamentos bastante convincentes. O primeiro e principal fundamento tem cunho principiológico, baseado na separação dos poderes. Não caberia ao magistrado combinar  leis, criando uma terceira lei para beneficiar a réu, já que sua função precípua é a judicatura, e não a legiferante. Haveria, então, a substituição do legislador infraconstitucional pela figura do juiz, o que no nosso ordenamento jurídico não é admitido. 

No STF, me parece que a posição que prevalece é pela impossibilidade de combinação de leis, ou seja, a não admissão da lex tertia. Para os ministros que entendem dessa forma, nosso ordenamento jurídico adotou o chamado princípio da ponderação unitária, isto é, a lei deve ser aplicada em sua totalidade, na globalidade de suas disposições.

3. OS ADEPTOS À LEX TERTIA

Parcela da doutrina, como Frederico Marques, fundamenta a possibilidade de aplicação da lex tertia numa regra básica de hermenêutica: se o juiz pode aplicar toda a lei, poderá aplicar parte dela (o famoso "quem pode mais, pode menos"). Dentro do STF, minoritariamente, defendem tal posição com base no princípio da ponderação diferenciada. Segundo este princípio, o magistrado deverá levar em consideração a complexidade de cada uma das leis e a autonomia de cada uma de suas regras, colocando-as em confronto e podendo aplicar no caso concreto disposições de ambas as leis.

OBS.: Essa questão será cobrada trazendo casos como a aplicação retroativa do §4º do art. 33 da Lei 11.343/06 aos crimes ocorridos na vigência da Lei 6.368/76.
HABEAS CORPUS. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTE. CRIME COMETIDO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 6.368/76. RETROATIVIDADE DO § 4º DO ART. 33 DA LEI Nº 11.343/06. COMBINAÇÃO DE LEIS. INADMISSIBILIDADE. PRECEDENTE DO STF. PACIENTE QUE OSTENTA MAUS ANTECEDENTES. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS. ORDEM DENEGADA. 1. A paciente foi condenada à pena de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, pela prática da conduta tipificada no art. 12, caput, c/c o art. 18, I, ambos da Lei 6.368/76. 2. Requer o impetrante a concessão da ordem de habeas corpus para a aplicação retroativa da causa de diminuição de pena prevista no § 4º, do art. 33, da Lei nº 11.343/06. 3. O Supremo Tribunal Federal tem entendimento fixado no sentido de que não é possível a combinação de leis no tempo. Entende a Suprema Corte que agindo assim, estaria criando uma terceira lei (lex tertia). 4. Com efeito, extrair alguns dispositivos, de forma isolada, de um diploma legal, e outro dispositivo de outro diploma legal, implica alterar por completo o seu espírito normativo, criando um conteúdo diverso do previamente estabelecido pelo legislador. 5. No caso concreto, ainda que se entendesse pela aplicação da Lei nº 11.343/06, não se encontram presentes os requisitos do § 4º do art. 33 do referido diploma legal, visto que, de acordo com as informações de fls. 34/36, a paciente ostenta maus antecedentes, por ter cumprido pena de 1 (um) ano por fraude bancária na África do Sul. 6. Diante do exposto, denego a ordem.


EMENTA RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS PRATICADO SOB A VIGÊNCIA DA LEI Nº 6.368/76. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI Nº 11.343/06. PACIENTE QUE SE DEDICAVA À ATIVIDADE CRIMINOSA.
1. Para que a redução da pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06 seja concedida, não basta que o agente seja primário e tenha bons antecedentes, sendo necessário, também, que ele não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. 2. O voto do eminente Ministro Felix Fischer, Relator do habeas corpus ora questionado, muito bem explicitou o motivo pelo qual não foi possível a aplicação daquele benefício ao paciente, ressaltando que "Tribunal a quo negou provimento ao recurso defensivo, a uma, por entender que o paciente se dedicava a atividade criminosa, fazendo do comércio de drogas seu meio de vida, a duas, porque a causa de diminuição da pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 só se aplicaria àquele que como fato isolado vende substância entorpecente, a três, tendo em vista que a sua aplicação é restrita às condenações ocorridas com base na Lei nº 11.343/06, não se podendo, assim, a pretexto de se aplicar a lei mais benéfica, combinar partes diversas das duas normas, porquanto isso implicaria, em última análise, na criação de uma terceira lei." 3. Na espécie, a dedicação do paciente ao tráfico de drogas ficou devidamente comprovada nos autos e não foi afastada pela defesa na apelação nem nas impetrações posteriores. 4. Recurso ordinário desprovido.

INFORMATIVO 570, STF – Tráfico de Drogas e Combinação de Leis Incriminadoras A Turma indeferiu habeas corpus impetrado em favor de condenada à pena de 4 anos de reclusão por tráfico ilícito de entorpecentes (Lei 6.368/76, art. 12) em que pleiteada a diminuição da pena para o mínimo legal (3 anos), tendo em vista ser ela primária e preponderarem circunstâncias judiciais favoráveis. Requeria-se, também, por idênticas razões, a aplicação do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, que possibilita a redução da pena de um sexto a dois terços em tais casos. Considerou-se que a sentença condenatória estaria devidamente fundamentada, com motivação suficiente para a elevação da pena-base acima do mínimo legal. Rejeitou-se, de igual modo, o pleito de incidência do novo dispositivo da Lei 11.343/2006, pois a causa especial de diminuição nele estabelecida tem como parâmetro a nova pena imposta ao crime de tráfico de entorpecentes pelo diploma legal em questão, que parte do mínimo de 5 anos. Assim, combinar referida norma com a pena imposta à paciente, sob a égide da Lei 6.368/76, significaria criar uma terceira pena, não estabelecida em lei, o que seria vedado ao órgão julgador, por força dos princípios da separação dos poderes e da reserva legal. HC 96844/MS, rel. Min. Joaquim Barbosa, 4.12.2009. (HC-96844)

EMENTAS: 1. AÇÃO PENAL. Condenação. Pena. Privativa de liberdade. Prisão. Causa de diminuição prevista no art. 33 da Lei nº 11.343/2006. Cálculo sobre a pena cominada no art. 12, caput, da Lei nº 6.368/76, e já definida em concreto. Admissibilidade. Criação jurisdicional de terceira norma. Não ocorrência. Nova valoração da conduta do chamado "pequeno traficante". Retroatividade da lei mais benéfica. A causa de diminuição de pena prevista no art. 33 da Lei nº 11.343/2006, mais benigna, pode ser aplicada sobre a pena fixada com base no disposto no art. 12, caput, da Lei nº 6.368/76. 2. AÇÃO PENAL. Condenação. Pena. Privativa de liberdade. Prisão. Majorante prevista no art. 18, III, da Lei nº 6.368/76 revogada pela Lei nº 11.343/2006. Retroatividade da lei mais benéfica. HC concedido para afastar a causa de aumento de pena. Inteligência do art. 5º, XL, da CF. A causa de aumento de pena relativa à associação eventual para o tráfico ilícito de entorpecentes, prevista no art. 18, III, da Lei nº 6.368/76, foi revogada pela nova lei de drogas.

Sem mais, 

Boa noite...

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