sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

ESTADO DE NECESSIDADE E FURTO FAMÉLICO INDIRETO

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Introduzindo o tema "Ilicitudes" no Direito Penal, deve-se falar um pouco sobre a Teoria da Ratio Cognoscendi. Tradicionalmente, entendia-se que a conduta ilícita era aquela contrária ao ordenamento jurídico. No entanto, esse conceito é renovado com o advento do finalismo, de forma que a ilicitude ganha características importantes em razão da sua relação com a tipicidade.

Meyer entende que a obrigatoriedade de um fato ser típico para que seja analisada sua ilicitude importa no fato de ser aquela um indício dessa (a tipicidade indicia a ilicitude). Todo fato previsto em lei como crime, provavelmente, será um fato contrário ao ordenamento. No entanto, essa probabilidade não imprime um juízo de certeza em razão das causas excludentes da ilicitude, de forma que o fato poderá ser típico, porém, lícito, já que tais elementos são interligados, mas independentes.

Cuida a ilicitude, portanto, da relação de contrariedade entre um fato típico e o ordenamento jurídico, sendo que a Teoria da “Ratio Cognoscendi” adotada pelo finalismo determina que todo fato típico será ilícito, salvo se extiver presente alguma causa de justificação (excludentes de ilicitude). 
 
2. ESTADO DE NECESSIDADE

Previsto no art. 24 do Código Penal, o estado de necessidade consubstancia a idéia de repulsão a perigo pelo qual passa um bem jurídico, razão pela qual a salvaguarda deste bem somente será garantida na hipótese de agressão a outro bem. Trata-se de um estado no qual o agente se encontra em necessidade de lesionar um bem para salvar outro.
 
Para que este se configure, há a necessidade do preenchimento dos seguintes requisitos:
  • Perigo atual e inevitável;
  • Não criação do perigo pelo agente;
  • Bem jurídico próprio ou alheio;
  • Inexigibilidade de sacrifício do bem jurídico. 
3. FURTO FAMÉLICO INDIRETO

O furto famélico indireto ocorre quando o agente furta um objeto para vendê-lo e com o produto desse negócio, compra comida para alimentar sua família. Para o STJ, nessa hipótese, não existe estado de necessidade em face de outras alternativas de evitar-se a fome decorrente da miséria que não à subtração patrimonial.

Diferentemente, quando o objeto do furto é o próprio alimento, por vezes, entende-se que seja caso de aplicação do princípio da insignificância (exclusão da tipicidade – material – e não da ilicitude), desde que configurado os quatro requisitos: ofensividade mínima na conduta; ausência de periculosidade social; reduzido grau de reprovabilidade da conduta; inexpressividade da lesão ao bem jurídico.


RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. FURTO SIMPLES. BISCOITOS, LEITE, PÃES E BOLOS. CRIME FAMÉLICO. ÍNFIMO VALOR DOS BENS. AUSÊNCIA DE LESIVIDADE AO PATRIMÔNIO DAS VÍTIMAS. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. PROVIMENTO DO RECURSO. 1. O princípio da insignificância em matéria penal deve ser aplicado excepcionalmente, nos casos em que, não obstante a conduta, a vítima não tenha sofrido prejuízo relevante em seu patrimônio, de maneira a não configurar ofensa expressiva ao bem jurídico tutelado pela norma penal incriminadora. Assim, para afastar a tipicidade pela aplicação do referido princípio, o desvalor do resultado ou o desvalor da ação, ou seja, a lesão ao bem jurídico ou a conduta do agente, devem ser ínfimos. 2. In casu, conquanto o presente recurso não tenha sido instruído com o laudo de avaliação das mercadorias, tem-se que o valor total dos bens furtados pelo recorrente - pacotes de biscoito, leite, pães e bolos -, além de ser ínfimo, não afetou de forma expressiva o patrimônio das vítimas, razão pela qual incide na espécie o princípio da insignificância, reconhecendo-se a inexistência do crime de furto pela exclusão da ilicitude. Precedentes desta Corte. 3. Recurso provido, em conformidade com o parecer ministerial, para conceder a liberdade ao recorrente, se por outro motivo não estiver preso, e trancar a ação penal por falta de justa causa. Precedente, STJ, 5ª Turma, RCH 23.376, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, d.j. 28.08.08.
CRIMINAL. HC. FURTO NOTURNO. OMISSÃO DA SENTENÇA QUANTO ÀS TESES DA DEFESA. INOCORRÊNCIA. DECISUM QUE REFUTOU TODAS AS ALEGAÇÕES DEFENSIVAS PARA FUNDAMENTAR A CONDENAÇÃO. DECISÃO CITRA PETITA NÃO-CONFIGURADA. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO NA IMPOSIÇÃO DO REGIME PRISIONAL. INOCORRÊNCIA. OMISSÃO QUANTO À APLICAÇÃO DO SURSIS. IMPROCEDÊNCIA DO ARGUMENTO. DETRAÇÃO DA PENA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA EXECUÇÃO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO-EVIDENCIADA DE PLANO. PRÁTICA DE FURTO FAMÉLICO. ILEGALIDADE NÃO-DEMONSTRADA DE PRONTO. IMPROPRIEDADE DO MEIO ELEITO. DESCONSTITUIÇÃO DO JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. DOSIMETRIA. INSUFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DA PENA-BASE. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NÃO-CONHECIMENTO. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E DENEGADA. I. Não se tem como omissa a sentença condenatória que, embora não se referindo, expressamente, às teses das defesa, fundamenta a condenação com base nos elementos probatórios reputados válidos para caracterizar o crime de furto noturno. II. Embora seja necessário que o Magistrado aprecie todas as teses ventiladas pela defesa, torna-se despiciendo a menção expressa a cada uma das alegações se, pela própria decisão condenatória, resta claro que o Julgador adotou tese contrária. III. Só se configura como decisão citra petita a sentença que analisa a quaestio aquém dos limites da ação penal, o que não restou configurado no caso em tela. IV. Se a sentença condenatória procedeu à devida motivação da pena, ressaltando eventuais circunstâncias judiciais desfavoráveis ao paciente, não há que se falar em constrangimento ilegal em decorrência da imposição de regime inicial semi-aberto para o cumprimento da reprimenda. V. Não há que se falar em omissão quanto à possibilidade de aplicação da suspensão condicional da pena, se a sentença monocrática negou o referido benefício de forma devidamente motivada, ressaltando o não-preenchimento dos requisitos para a concessão do sursis. VI. Compete ao Juízo das Execuções Criminais a análise do pleito de detração da pena. Precedentes. VII. Não há como trancar a ação penal instaurada contra o paciente, sob o fundamento de que o mesmo teria praticado furto famélico, se a res furtiva não enseja a conclusão de que o réu teria agido sob influência de falta de alimentação, já que, apesar de abranger uma cesta básica, o réu teria subtraído uma televisão, um botijão de gás e um liquidificador. VIII. A falta de justa causa para a ação penal só pode ser reconhecida quando, de pronto, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou probatório, evidenciar-se a atipicidade do fato, a ausência de indícios a fundamentarem a acusação ou, ainda, a extinção da punibilidade. IX. O habeas corpus constitui-se em meio impróprio para a análise de alegações que exijam o exame do conjunto fático-probatório – como a sustentada prática do delito sob estado de necessidade – tendo em vista a incabível dilação que se faria necessária, se não demonstrada, de pronto, qualquer ilegalidade no decreto condenatório. X. A desconstituição do julgado só é admitida em casos de flagrante e inequívoca ilegalidade – o que não se evidencia na hipótese. XI. Não se conhece da alegação de insuficiência de fundamentação na dosimetria da pena-base, sob pena de indevida supressão de instância, eis que o tema não foi objeto de debate e decisão pelo Tribunal a quo. XII. Ordem denegada. Precedente, STJ, 5ª Turma, RCH 19.285/BA, Rel. Min. Gilson Dipp, d.j. 05.11.02.

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