segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

PRESTAÇÃO MATERIAL DO ESTADO E RESERVA DO POSSÍVEL

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O termo “direitos fundamentais” originou-se no séc. XVIII, sobretudo das revoluções burguesas, a exemplo da Revolução francesa (Perez Luño e Marcelo Neves). Podem ser definidos como os direitos humanos que sofreram um processo de positivação e de constitucionalização, passando a compor o ordenamento jurídico interno de um Estado Nacional.

Diversos são os autores que tentam classificar os direitos fundamentais, ora tendo como foco a topografia da Constituição (direitos individuais, sociais, da nacionalidade, políticos e partidos políticos), ora pelo contexto histórico em que são analisados (1ª a 5º geração, para Paulo Bonavides e José Adércio). Por questões didáticas e objetivo do tópico, farei uma breve exposição da classificação proposta por Jellineck "quanto às funções dos direitos fundamentais". 

2. CLASSIFICAÇÃO QUANTO ÀS FUNÇÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Inicialmente, o citado autor elaborou a "Teoria dos 04 status" no início do séc. XX, afirmando a existência de posições do indivíduo frente ao Estado. Seriam elas passiva, negativa, positiva e ativa

A posição passiva era compreendida pelas obrigações que o indivíduo (conjunto de deveres) tinha com o Estado. Antes de qualquer direito, deveriam os cidadãos cumprir seus deveres (status subjectionis). Quanto ao estado negativo (status libertatis), tratava-se da possibilidade do indivíduo exigir prestações negativas do Estado para que ele exercesse sua autonomia privada. O terceiro estado, positivo, era compreendido pela possibilidade do indivíduo exigir prestações positivas do Estado através de ações para a redução de desigualdades. Por fim, o estado ativo era aquele em que o indivíduo era dotado de direitos de participação na vida política do Estado na condição de cidadão ativo da comunidade política.

Com o desenvolvimento da teoria anterior, Canitilho, Jorge Miranda, Alexy e Gilmar Mendes entendem que os direitos fundamentais são divididos em três funções:
 
A. Direitos de defesa: Caracterizam-se por impor ao Estado um dever de abstenção, de não interferência na autonomia privada (desenvolvimento da autodeterminação). Essa intervenção só será legítima se tiver por finalidade o restabelecimento do equilíbrio. Exemplo – Art. 5º, II, III, IV, VI.
 
B. Direitos de prestação: Caracterizam-se por exigir do Estado uma atuação positiva para atenuar desigualdades fático-sociais. Esses direitos se diferenciam em dois grandes grupos:
 
B.1) Prestações jurídicas: Visam a atuação positiva do Estado para a proteção de bens jurídicos entendidos como direitos fundamentais. Exemplo – Art. 5º, XLIII da CF: produção de leis para definição de crimes hediondos, regulamentando o referido dispositivo constitucional;

B.2) Prestações materiais: São direitos a prestação em sentido estrito, visando atenuar desigualdades fático-sociais. Exemplos – Arts. 6º, 205, 215, todos da CF.

C. Direitos de participação: visam garantir a participação do indivíduo nos processos de formação da vontade política do Estado e da sociedade, ao contrário do pensamento de Jellinek, que envolve somente o Estado.

3. PRESTAÇÃO MATERIAL DO ESTADO E O PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL

Tecidas essas considerações, faz-se necessário questionar sobre o seguinte ponto: o quão estaria a prestação material vinculada à disponibilidade orçamentária do Estado? Sabe-se que após o precedente aberto pela ADPF 45, as prestações materiais estão sujeitas à reserva do possível (limitação orçamentárias) para sua efetivação. Exemplo – Art. 215, CF: garante o exercício de direitos culturais e acesso as fontes culturais nacionais, sujeitas a disponibilidade orçamentária.

Porém, essas limitações devem ser afastadas para a garantia de um mínimo existencial social a luz da dignidade da pessoa humana. Ou seja, a reserva do possível sucumbe a um grau mínimo de eficácia dos direitos fundamentais sociais (afasta-se a reserva do possível). Sendo assim, excepcionalmente, o Poder Judiciário, com base no princípio da proporcionalidade, poderá interferir na discricionariedade do Poder Público (no que tange a efetivação de políticas públicas). Exemplo – Precedente, RE 410.715: afastou a limitação orçamentária no que tange a construção de creches, sendo objeto de mínimo existencial social.

E M E N T A: RECURSO EXTRAORDINÁRIO - CRIANÇA DE ATÉ SEIS ANOS DE IDADE - ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA - EDUCAÇÃO INFANTIL - DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV) - COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO - DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º) - RECURSO IMPROVIDO. - A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). - Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das "crianças de zero a seis anos de idade" (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal. - A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. - Os Municípios - que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) - não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. - Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão - por importar em descumprimento dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório - mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à "reserva do possível". Doutrina. Precedente, STF, 2ª T, RE 410.715/SP, Rel. Min. Celso de Mello, d.j. 22.11.05.

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