sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

REDUÇÃO DA MENORIDADE PENAL E A CAPACIDADE DE AUTODETERMINAÇÃO

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

É interessante como os debates sobre alguns temas do direito tornam-se tão calorosos, mesmo que o pensamento comum muitas vezes é manipulado por um argumento convincente, ainda que não seja o mais correto. Por isso, proponho nesse post uma reflexão sobre um desses assuntos, qual seja a redução da menoridade penal. Registre-se que não tenho a intenção de desmerecer qualquer opinião sobre o assunto, mas tão somente analisar o aspecto técnico-jurídico que é deixado de lado nas discussões as quais eu me referi.

2. A ESTRUTURA DA CULPABILIDADE

Pode-se dizer que a culpabilidade se apresenta com o mesmo nome em três momentos distintos e com concepções diferentes: a) como princípio fundamental e direito penal; b) como elemento integrante do conceito de crime; c) como fundamento e limitação da pena.
  • Como princípio fundamental, a culpabilidade deve ser entendida pela responsabilidade penal subjetiva, isto é, para que haja crime, o indivíduo deve atuar com dolo ou culpa quanto ao resultado típico (dolo normativo). 
  • Sabe-se que o crime é composto pela tipicidade, ilicitude e culpabilidade, entendendo-se esta última como a reprovabilidade pessoal da conduta necessária para a caracterização do crime. Assim, sob a ótica da concepção tripartida majoritária, crime é um injusto típico reprovável (Maurach – Doutrina alemã). 
  • Por fim, a culpabilidade pode funcionar como limitador da pena, sendo a primeira e mais importante das circunstâncias judiciais analisadas na fixação da pena-base (art. 59, CP).
A culpabilidade, como elemento do crime, é composta pela imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. Pela intenção do blog, restringirei meus comentários à imputabilidade, deixando os demais elementos para um futuro post

3. A IMPUTABILIDADE PENAL

A imputabilidade é a plena capacidade do indivíduo de entender a natureza dos fatos e de se autodeterminar de acordo com esse entendimento. Pode-se aferir dois elementos, portanto: um de cunho cognitivo, sendo a capacidade de entender o caráter ilícito da conduta, e outro de cunho volitivo, externando-se pela vontade do agente.

Pelo que eu vejo, é aqui que nasce o problema. Fugindo da excepcionalidade de alguns casos, a maioria das pessoas fundamentam a redução da menoridade penal em razão da capacidade do adolescente de entender o caráter ilícito do fato ou seja, baseiam a redução no elemento cognitivo da imputabilidade. É aquela história: "Porra, o moleque de 15 anos já sabe tudo que faz: se ele praticou o crime, já sabia das consequências. Deve ser punido". No entanto, essa posição é um pouco perigosa. 

Insta pontuar que este, certamente, o elemento cognitivo é o fundamento pelo qual se afasta a imputabilidade no caso dos deficientes mentais (o velho "loucos de todo gênero").
 
Voltemos. Faça uma viagem no tempo e lembre de você com 05 anos de idade, na escolinha, na aula de recreação, onde se usava lápis, tesoura e cola. Você, já naquela época, sabia que era proibido "enfiar o lápis" no olho do coleguinha e que também não podia pegar a tesoura e cortar o dedo dele. Em resumo, você, segundo o argumento levantado pela maioria das pessoas, deveria responder penalmente, já que possui a capacidade de entender o caráter ilícito do fato, ainda que de forma perfunctória.


Diante desse argumento, alguns falariam: "Nãooo, mas a pessoa é muito nova, não pode, etc, etc. etc." Ora, então você concorda que o tão só fato da capacidade de entendimento não é suficiente para que a pessoa seja condenada, certo?  Se a redução fosse feita por esse argumentos, ao invés de celas existiriam berçários, as grades seriam de madeiras, e a refeição seria servida em mamadeiras. Ou seja, absurdo. 

Pois bem, aqui entra a técnica e o argumento que muitos (leigos) desconhecem. Para que haja a imputabilidade, como disse acima, não basta que o indivíduo tenha a capacidade de cognição, mas também deve ter autodeterminação (elemento volitivo). Entre 12 e 21 anos, as pessoas estão em fase de transição, não possuindo plena capacidade de auto-determinação, produto de aspectos fisiológicos ligados ao período da adolescência (mudança hormonal, inexistência de opinião fixa, impulsividade, etc.). Sendo que, entre 18 e 21 anos, embora seja plenamente imputável, devido ao período de transição, o agente responde pelo crime, mas com sua pena atenuada.

Portanto, a fixação da "maioridade penal" aos 18 anos se deve por um critério técnico da medicina, (critério biopsicológico, adotado pelo CP) e não do direito. No período compreendido entre 12 a 18 anos, haveria uma modificação hormonal do no indivíduo, onde a oscilação de humor, opinião, caracterizado por grande impulsividade nas condutas, obstaria a sua capacidade de auto-determinação. Assim, não há que se confundir o fundamento utilizado para os loucos (incapacidade de entender o fato) e aquele utilizado para os menores (incapacidade de se auto-determinar)

PENAL. HABEAS CORPUS. INCIDÊNCIA DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/06. INSTRUÇÃO DEFICIENTE. IMPOSSIBILIDADE DE INVERSÃO DO JULGADO. NÃO-CONHECIMENTO. EXCLUSÃO DA CAUSA DE AUMENTO DE PENA DECORRENTE DO ENVOLVIMENTO DE MENORES, PREVISTO NO INCISO III DO ART. 18 DA LEI 6.368/76. MAJORANTE MANTIDA PELA LEI 11.343/06, QUE ATUALMENTE REGE A MATÉRIA. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESSA EXTENSÃO, DENEGADA. 1. Por não se prestar à dilação de matéria fático-probatória, deve o habeas corpus ser instruído previamente de provas suficientes à demonstração inequívoca da ilegalidade apontada, sob pena de não-conhecimento. Precedentes do STJ e do STF. 2. O inciso III do art. 18, da Lei 6.368/76, vislumbrava hipóteses autônomas para a incidência da majorante – associação eventual ou ação delituosa que visa a alcançar menores de vinte e um anos ou quem tenha, por qualquer causa, diminuída ou suprimida capacidade de discernimento ou de autodeterminação. 3. A Lei 11.343/06 manteve a majorante referente ao envolvimento de menores no inciso VI do art. 40, motivo pelo qual não há falar em retroatividade. 4. Ordem parcialmente conhecida e, nessa extensão, denegada.

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