quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

PRINCÍPIO DA ISONOMIA E A FAZENDA PÚBLICA

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Muitos dias que não escrevo no blog, isso é triste. Isso me vem muito a calhar para estudo, principalmente no que tange a questões dissertativas (apesar de achar que as questões "reais" vão ser muito mais difíceis). Hoje tentarei escrever algo sobre o princípio da isonomia no processo, mais especificamente em relação à Fazenda Pública. 

Entende-se, tradicionalmente, que o princípio da isonomia está estampado no art. 5º, I da CF, ao dispor que todos são iguais perante a lei, conceito formal (igualdade). Sabe-se que esse princípio é igualmente aplicável ao processo, garantindo às partes a chamada paridade de armas, já que o CPC também prevê no inciso I do art. 125 que o juiz deve assegurar às partes igualdade de tratamento. 

No entanto, a doutrina preceitua que a isonomia não pode se esgotar no seu aspecto formal, pelo qual basta tratar todos igualmente que ela estará respeitada. Há a necessidade ainda de garantí-la sob o aspecto material, através do "direito à diferença", onde ela só pode ser alcançada se os sujeitos desiguais também receberem um tratamento desigual, na medida de suas desigualdades. Por isso alguns sujeitos processuais são agraciados por prerrogativas, o que alguns doutrinadores chamam de privilégios (termo pejorativo) ao tratar-se da Fazenda Pública. 

2. O PRINCÍPIO DA ISONOMIA NO PROCESSO

Podem ser citados vários exemplos de prerrogativas dentro do processo como forma de garantir a  paridade de armas entre as partes:
  • Em relação ao hipossuficiente, pode-se citar a assistência judiciária, com a indicação de um advogado dativo, voluntário, ou defensor público, além da não obrigatoriedade do pagamento de custas e honorários de sucumbência. 
  • O incapaz, tem-se a participação do Ministério Público como custos legis, a vedação à confissão, e a inexistência de presunção de veracidade (revelia), já que os direitos a ele inerentes são considerados indisponíveis.
  • De sua sorte, o consumidor é tutelado pela inversão do ônus da prova, sendo apenas uma das facetas do princípio da isonomia na seara consumerista. Registre-se que o art. 6º, VIII do CDC prevê que o magistrado poderá adotar outros meios para facilitar a defesa do direito do consumidor. 
3. A ISONOMIA PARA A FAZENDA PÚBLICA

A Fazenda Pública, sem dúvidas, é o sujeito processual que possui o tratamento endoprocessual mais diferenciado. Esta é a razão pela qual alguns entendem tratar-se de veradeiros privilégios, e não prerrogativas, como acima exposto. 

3.1. Fundamentos
Pode-se enumerar dois fundamentos para esse tratamento diferenciado: um de ordem jurídica, e outra de ordem pragmática. Quanto a primeira, sustenta-se que a Fazenda Pública tutela direitos indisponíveis, já que representa o interesse público, pertencente à coletividade. O segundo fundamento enumerado pela doutrina é que o Estado não possui estrutura física e técnica para atender o volume de trabalho existente. Não sei dizer ao certo, mas os boatos que existem é que a maioria das demandas que existem são contra o Estado. 

3.2. Prerrogativas
A doutrina enumera as seguintes prerrogativas:
  • Prazos diferenciados;
  • Isenção do recolhimento de preparo;
  • Dispensa no adiantamento de custas processuais;
  • Dispensa do recolhimento prévio da caução na ação rescisória;
  • Condenação em honorários abaixo do mínimo legal;
  • Reexame diferenciado. 
3.2.1. Prazos diferenciados
Quanto aos prazos diferenciados, a norma processual prevê prazos em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer (art. 188, CPC). Dois comentários.

A melhor doutrina entende que o termo "contestar" deve ser entendido como prazo de resposta do réu, compreendendo a contestação, exceções, denunciação da lide, etc  (atos em geral que respondem a petição inicial). 

O segundo comentário diz respeito ao prazo em dobro para recurso. Aplica-se o disposto no art. 188 aos recursos adesivos, mas o mesmo não ocorre nas contrarrazões, já que esta é muito mais uma "contestação ao recurso" do que um recurso propriamente dito (falta-lhe várias das características recurais - objeto de outro post). 

3.2.2. Dispensa no adiantamento de custas
Registre-se que a Fazenda Pública não está dispensada do pagamento, mas tão somente do adiantamento das custas processuais. 

Isso é relevante no que tange ao pagamento das sanções processuais. Conforme o art. 35 do CPC, as sanções impostas às partes em consequência de má-fé terão natureza de custas, razão pela qual a Fazenda Pública está dispensada do seu pagamento antecipado.

O mesmo ocorre com a multa prevista pelo art. 557, §2º do CPC, que trata do agravo interno protelatório. Em regra, a interposição desse agravo enseja o pagamento de multa no montante de até 10% sobre o valor da causa, além de impedir a interposição de qualquer outro recurso, até que ela seja paga. Como as sanções processuais possuem natureza de custas (art. 35 do CPC), a Fazenda não estaria obrigada a antecipar esse pagamento, além da multa não impedir a interposição de outros recursos (Precedente, Inf. 332, STJ, Corte Especial, EREsp 808.525-PR, Rel. Min, Luis Fux).

INF. 332. FAZENDA PÚBLICA. APLICAÇÃO. MULTA. Cuida-se da possibilidade de imposição ou não da multa prevista no art. 557, § 2º, do CPC (que prevê multa quando inadmissível ou infundado o agravo e condiciona a interposição de qualquer recurso ao depósito prévio dessa multa) ante o disposto no art. 1º-A da Lei n. 9.494/1997, a qual dispensa de depósito prévio, para interposição de recurso, as pessoas jurídicas de direito público federais, estaduais, distritais e municipais. Ressaltou o Min. Relator que incide, no caso, o princípio de que ubi eadem ratio ibi eadem dispositio esse debet (onde há a mesma razão, deve-se aplicar a mesma disposição legal), pois a multa do art. 557, § 2º, do CPC tem a mesma natureza da multa prevista no art. 488, parágrafo único, do CPC, que isenta o Poder Público de depósito prévio para cobrir eventual multa em ação rescisória e, nesse sentido, a jurisprudência deste Superior Tribunal é pacífica. Outrossim, explica que o depósito prévio da multa é condição de admissibilidade recursal e, sob esse enfoque, há muito este Superior Tribunal pacificou o entendimento de que a Fazenda Pública está isenta do depósito da multa, bem como de qualquer preparo. Ademais, a Corte Especial, no EREsp 695.001-RJ, DJ 2/4/2007, em situação análoga à dos autos pronunciou-se: não se nega seguimento a REsp interposto pelo Fazenda Pública, por não ter sido depositada a multa prevista no art. 557, § 2º, do CPC. Com esse entendimento, a Corte Especial proveu os EREsp determinando que a Sexta Turma examine o REsp. Precedentes citados: AR 419-DF, DJ 13/5/2002; AgRg na AR 568-SP, DJ 17/12/1999, e REsp 4.999-SP, DJ 19/6/1995. EREsp 808.525-PR, Rel. Min. Luiz Fux, julgados em 19/9/2007.
3.2.3. Reexame necessário
O último ponto digno de nota diz respeito ao reexame necessário. Na hipótese da Fazenda Pública sucumbir em decisão cujo valor da condenação seja superior a 60SM e esta não contrariar súmulas do STJ ou STF, haverá reexame necessário. Frise-se que trata-se de condição que impede o trânsito em julgado da decisão.

Frise-se que segundo entendimento sumulado do STJ (S. 45) é vedada a reformatio in pejus no reexame necessário. A crítica doutrinária à tal súmula é que, apesar de não ser um recurso, aplica-se ao reexame necessário uma regra recursal

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